Este post é em homenagem à uma queridíssima blogueira, que está passando por momentos de dificuldades depois que parou de fumar. E, o pior de tudo, é que as pessoas próximas à ela não a entendem. Por isso, na tentativa de ajudá-la a convencer estas pessoas de que seu estado é real, vou falar um pouco sobre a depressão e sua relação com o tabaco, incluindo a relação entre os efeitos fisiológicos da abstinência da nicotina e a determinação do quadro depressivo.
Antes disso, vou fazer uma breve descrição da minha formação acadêmica, apenas no intuito de dar credibilidade ao que vou escrever, já que muitos julgam os ex-fumantes como loucos e dramáticos.
Sou farmacêutica graduada há quase 5 anos, concluí meu mestrado há dois anos na área de produtos naturais com ênfase em farmacologia, estou no último ano do doutorado em ciências da saúde e já dei aula de fisiologia e farmacologia. Todos estes anos de estudo e pesquisa me dão base suficiente para falar com propriedade sobre a fisiologia da nicotina e os seus efeitos no sistema nervoso central.
Vou tentar ser didática e escrever de forma bem simples para que todos consigam compreender. No final do post, colocarei algumas referências de artigos científicos para caso alguém queira aprofundar a leitura sobre o assunto.
A capacidade que nós temos de sentir emoções é devido à produção de neurotransmissores em nosso cérebro, tais como dopamina, serotonina e noradrenalina. São estes hormônios os responsáveis pelas nossas sensações e eles estão relacionados com o controle de diversos sintomas emocionais, que podem ser observados na figura abaixo:
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXfxEYwPr4V0SuceXWn3LdIPL5dvP433BietDGTonX8JDw6Wx5pY6m0i9lkrYlB4nog3Qj5x5SutHJtQY1fodRb_QGwzIwHlGGb1Gl4mWExrH71lc2TnzH_hZmwh0ynLYeXrPcF-BU1Zg/s1600/neutransmissores+depress%C3%A3o.jpg)
A depressão é uma doença caracterizada pela redução dos níveis cerebrais destes neurotransmissores. Portanto, a ausência de noradrenalina diminuirá a energia e o interesse; a ausência de serotonina irá diminuir a capacidade de controlar o impulso; a ausência de noradrenalina e serotonina irá reduzir a capacidade do indivíduo em controlar a ansiedade e a irritabilidade; a deficiência em dopamina irá diminuir a iniciativa em realizar tarefas corriqueiras; e, por fim, a ausência dos três irá reduzir o humor, a capacidade de controlar as emoções e a função cognitiva (capacidade de memória, atenção e raciocínio).
Um dos efeitos da nicotina é aumentar a liberação destes hormônios no sistema nervoso central. A nicotina se liga em receptores específicos no cérebro, denominados receptores nicotínicos. Estes receptores, quando ativados, provocam a liberação destes neurotransmissores, melhorando todos estes estados emocionais.
Ao parar de fumar, o indivíduo deixa de produzir noradrenalina, serotonina e dopamina na mesma quantidade de antes, perdendo a capacidade de controlar todas essas emoções, por isso que a abstinência da nicotina provoca um estado depressivo, além de irritabilidade, falta de concentração, dentre outros sintomas.
Com o tempo, a produção destas substâncias se regulariza, porém, em algumas pessoas isso não acontece (ou demora mais para acontecer) porque estão mais propensas ao estado depressivo, devido a fatores variáveis que estão sendo estudados pelos cientistas. Pode estar relacionado a:
- Tempo de uso da nicotina
- Quantidade de cigarros fumados diariamente
- Quando foi iniciado o tabagismo (pessoas que começaram a fumar por volta dos 15 anos estão mais propensas)
- Fatores genéticos
Portanto, o tabagismo hoje é considerado uma doença crônica e não uma frescura. Atualmente, é considerado um problema de saúde pública! E já existem milhares de estudos com o intuito de descobrir medicamentos que auxiliem no tratamento para pessoas deixarem de fumar e alguns deles já estão disponíveis no mercado. Dentre estes medicamentos, alguns são da classe dos antidepressivos, depois escreverei um post sobre eles.
Alguns fumantes conseguem parar sem usar medicamentos, mas outros precisam deles. Eu mesma me recuso a utilizá-los, pois antidepressivo é uma droga que provoca dependência tal como a nicotina e que tem vários efeitos colaterais indesejáveis. Por isso, prefiro tentar parar de fumar sem procurar ajuda médica. Caso eu não consiga, admitirei minha fraqueza e procurarei auxílio medicamentoso.
O que deve ficar claro é que cada pessoa tem suas particulares, o importante é fazer uma relação "risco x benefício" e analisar suas necessidades. Se você está percebendo que não consegue parar sem um adjuvante e sua saúde está prejudicada por causa do tabaco, o ideal é procurar um médico, de preferência especialista em tabagismo.
O que não pode é ficar se martirizando e se culpando por não conseguir. Não se compare à outras pessoas que conseguiram parar de fumar sem utilizar nada. Lembre-se sempre que cada indivíduo tem a sua história e suas particularidades.
- Listei algumas referências para quem se interessar e quiser aprofundar a leitura sobre o assunto. Como não sei anexar os arquivos aqui no blog, vou colocar os links para vocês encontrarem na internet.
Infelizmente, alguns são artigos científicos que são pagos e só dá pra baixar gratuitamente pela universidade. Mas caso alguém se interesse, é só me pedir que envio por e-mail.
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22558621
- http://www.scielo.br/pdf/jbpneu/v34n10/v34n10a14.pdf
- http://link.springer.com/article/10.1080%2F10298420290023963
- http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278584614000311